"QUE MEUS SEGUIDORES SEJAM POUCOS E SECRETOS. ELES GOVERNARÃO OS MUITOS E CONHECIDOS."

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

HINO A SATÃ

A Ti, do Ser
Princípio imenso
Matéria & espírito
Razão e senso;
Enquanto no cálice
O vinho cintila
Tal qual a alma
Em minha pupila
Enquanto sorri
A terra & o sol
E se revezando
No amoroso arrebol
Corre o frêmito
No sutil arcano
Do monte & palpita
Fecundo & piano;
A Ti o verso voa
Irrefreável, ardido
& Te invoco, O SATAN
& Te convido:
É vão o missal
Do Padre & seu metro!
Não, padre, SATAN
Não o tem dileto!
Vede: mesmo rugindo
Revolva Michael
Seu gládio místico
& a fé do fiel
Depenado arcanjo
Arroja no chão.
Troveja & fulmina
Deus com a mão
Meteoros pálidos,
Num despencamento,
Chovem os anjos
Desde o firmamento
Dentro da matéria
Que ao sono não torna,
Rei dos Fenômenos
Rei de toda Forma
Solitário vive SATAN.
No Império soberbo
Numa trêmula flama
Dum olhar negro,
Ou olho lânguido
Contorce, resiste,
Ou acre & úmido
Provoca & insiste.
Brilho de estrelas
No sangue contente,
Sobrevive a alegria
Jorrando em corrente,
& de passagem
Nossa vida restaura,
Que a dor estende
& o amor ancora.
Teu hálito, O SATAN
Nos versos meus
Em rompantes troveja
Desafiando deus
Os chefes pontífices
Os reis inclementes;
Teu fogo consome
Destrói-lhe as mentes.
A Ti, Bode feroz
Louvou primeiro a arte,
Numa imagem marmórea
De Adônis & Astarte
Quando a iônica
Aurora serena
Abençoou a venérea
Deusa Anadiomena[1].
A Ti do duro Líbano
Adoçou o semblante
& a alma da Cíprida
O priápico amante:
A Ti ferozes & rútilas
Dançaram as cores,
A Ti cândidas virgens
Ofertaram amores
Entre odoríferos
Incensos esfuma
A pálida pomba[2]
Da cípria escuma.
Vade retro bárbaro
Tu nazareno,
No furor do ágape
Do rito obsceno
A sagradatocha
No templo revolve
& os signos gregos
A terra envolve?
Tu bem quisto refugio
Dos deuses caseiros
A plebe recorda
Até nos outeiros
Quando um seio
Femíneo & arfante
Cheio, fervendo
Nume & amante
A bruxa pálida
De eterna cura
Vem a socorrer
A miserável natura
Tu no olho morto
Do alquimista,
Tu indócil fogo
No olhar do magista,
No claustro torpe
Sobre os portais
Revela os fulgidos
Céus Supernais.
De tudo que é teu
Da matéria fugindo
O monge no deserto
Se vai consumindo;
A quem permanece
A alma insistente
Benigno é SATAN
Ao persistente.
Em vão te maceras
Em panos de saco
SATAN te sussurra
De Maro & de Flacco[3].
Entre o davídico
Choro dorido,
As formas divinas,
Sempre trás consigo
Rubra na hórrida
Turba enegrecida,
Conduz Glicera
Conduz Lycorida[4]
& doutras imagens
De idades mais belas
Ao talante povoa
A insone cela[5].
Ele, das páginas
De Lívio[6], ardentes
Tribunos, cônsules
As turbas frementes
Desperta; & fantástico
Do meridiano orgulho
Te enfia, ó monge,
Sobre o Capitólio
& vós, cujo crepitante
Fogo não tem calado,
De Wicleff & Husse[7]
Vozes do fado,
Na aurora em vigília
Um vento falou:
“Se renova o século
O tempo chegou!”
& já já tremulam
A mitra, a coroa:
Pois no claustro silente
A rebelião ecoa,
& pugna & predica
Embaixo da estola
Do Frater Girolamo
Savonarola[8]
Como a túnica rota
De Martinho Luthero[9]
Se livre o homem
Dos grilhões do clero,
& esplenda & fulgure
Em flamas rodeado
Matéria, cantai:
SATAN é chegado!
Uma bela & horrenda
Besta se desaferra,
Navega oceanos
Percorre a terra
Coruscante fumega
Seu brado mui alto,
O monte supera
Devora o planalto;
Sobrevoa o abismo
& nele se oculta
Em antros incógnitos
Por vias incultas
& sobe; indômito
Um raio ultimal
Ribomba seu grito
Como um vendaval,
Como um turbilhão
Seu hálito expande
& marcha, notório
SATAN, o grande.
Marcha, abençoando,
A todos conclama
Na resplandecente
Carruagem de flama
A Ti fumos & incenso
Louvores & vozes:
Tu venceste o deus
E seus sequazes[10].
Salve, Tu, Ó SATAN
Liberdade & Rebelião:
Ó força vingadora
Da humana razão.

Josué Carducci - Poeta Italiano

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