A MORTE DO METAL
“A história se repete, a primeira vez como tragédia
e a segunda como farsa.”
( MARX, K. 18 Brumário de Louis Bonaparte, 1852)
Alguns artigos já foram escritos
sobre os rumos que o Metal (usando aqui a metonímia para nos referirmos
a toda uma corrente sócio-cultural-musical )tem e vem adquirindo nos
últimos anos. Alguns artigos enxergaram
o Heavy metal como uma música que ficou presa ao passado, sendo suas novas
manifestações musicais um eterno bis in idem, de outras bandas e
estilos já definidos e consolidados.
Entre as inúmeras explicações para a inércia desta corrente musical, que
entre outras coisas, já foi comparada a música clássica pela sua estagnação
temporal, estão a de que nada de novo se produziu na cena metálica nos últimos
anos e que a “cena” estaria dominada pelos eternos saudosistas do “quanto mais
velho melhor”. Não obstante estas explicações, que em sua unilateralidade tem
sua parcela de verdade, parece-nos que o
cerne da questão ainda não foi abordado. Talvez porque a sua reflexão seja por
demais dolorosa para aqueles, que como eu, amem incomensuravelmente esse estilo
musical.
O fato é que o metal não ficou preso
ao passado como querem alguns, mas, simplesmente MORREU. E esta morte, além de
ser de morte morrida, não é nova, pois, tem mais de 20 anos. Tendo o cadáver
inclusive já decomposto e sendo sua alma um cascão astral em decomposição
(utilizando aqui uma metáfora metafísica). É normal que uma afirmação tão
taxativa como essa, provoque indignações
nos mais sectários e estes ergam seus punhos em riste e protestem antes de
chegarem ao fim da leitura destas palavras. Pois, como dissemos, esta é por
demais uma afirmação dolorosa e que foge da falácia social do politicamente
correto, onde tudo tem que ser bom, perfeito, bonito e isonômico. O fato é que
pelas nossas contas, sua morte deu-se por voltas de 1994. Os que viveram esta
época com certeza se lembrarão do que estamos falando e do vazio e desilusão
que se abateu sobre o Metal no período, sem que ninguém explicasse ou mesmo se
apercebesse o que estava acontecendo.
Apenas sentindos algo que não era palpável, pouco atento a sinais que muitas
vezes passavam despercebidos, como o desaparecimento de fanzines, fim dos
discos de vinil e fita K-7, troca de cartas e materiais, divulgação de release
e flyers, a transformação de revistas especializadas em baboseiras para
adolescentes cabeças-oca e principalmente a metamorfização das bandas, que as
dezenas corriam desesperadamente em busca de outros estilos, que dessem uma
nova roupagem a sua musicalidade. Seguindo a máxima do quanto mais “eclético”
melhor. Assim, contamos inúmeras bandas que aderiram a outros estilos musicais
e os incorporaram ao Heavy Metal como forma de sair da mesmice que a cena
encontrava-se. Como um balão de oxigênio retardando a vida de um moribundo. Não
sabendo elas ( nem nós mesmos ) que o moribundo já havia a muito morrido. Se
aproveitarmos os exemplos acima, para fazermos um recorte temporal e nos transportarmos ao período, iremos nos
perceber do imenso vazio que nos dominou e dos tantos amigos que perdemos e das
outras tantas bandas que desapareceram. As causas desta “tragédia anunciada” é
o que tentaremos mostrar nas linhas adiante.
Uma das argumentações que escuto
contra o fim do Metal é de que a MÚSICA Metal se encontra viva até hoje e que
ainda se produzem discos dos anos 70, 80, inclusive para novos compradores.
Bem! Isso é uma verdade! Como também ainda escutamos músicas de Mozart, Bach e
Beethoven, que foram escritas a 300 anos atrás e que hoje ganham formato em CD,
blue-Ray, etc. Sendo igualmente consumido por uma grande legião de pessoas,
inclusive algumas bem novas. Como ainda tem pessoas que compram e escutam
músicas dos anos 50 ou da década de 60. O fato é que preliminarmente,
precisamos fazer um distinção entre
Metal música x Metal estilo de vida. O Metal
música esta ai, ela existe e está imortalizada em todo CD comprado ou
lançado, como assim também está, a música de Chopin. No entanto o metal como
ESTILO DE VIDA, como movimento, filosofia
e que era muitas vezes descrito simplesmente, como UNDERGROUND, não
existe mais. E sem underground não existe Metal ( aqui entendido como metal
estilo de vida – modus vivendi ). Se esta distinção supra citada não lhe
convenceu, lembre-se então do que era ter cabelos compridos nos anos 80 e o que
ele representava. O que era ter uma camisa preta de banda e usá-la por baixo da farda da escola para
não tirá-la “nem a pau”. Lembre-se o que era ter tatuagem, sair de casa com
basqueteira, calça colada e jaqueta de couro ao sol do meio dia. Como as
pessoas olhavam para você com sua jaqueta de patches e as meninas que corriam
de você porque você era o “diferente” da escola. Ao relembrar este período, você certamente
sentiu toda a rejeição que a sociedade oitentista lhe dispensava. A frustação
que carregávamos por pertencermos a “década perdida”, de pessimismo, estagnação
econômica e crise ideológica. E após sentir toda aquela frustração, eu pergunto:
Qual era a nossa salvação? O que nos confortava e nos tirava daquela angústia
púbere de conflitos sociais, familiares e existenciais? A resposta só pode ser
O METAL, é claro. Só quem viveu o metal dos anos 80/90, sabe que o metal era a
válvula de escape, a afirmação social, o conforto que nos faltava por sermos
considerados párias pelos que nos cercavam e por isso mesmo, voltávamos para
nós. Para dentro de nossos círculos através de irmandades e amizades
herméticas. Que ao nos voltarmos para nossa própria cultura e identidade, com
nossos códigos sociais próprios, conseguimos suportar o peso da adolescência
então. Que escutar nossa música barulhenta era gritar para a sociedade e nos
afirmarmos como pessoas com vozes ativas. Que ir para um show precário era
passar a semana preparando a vestimenta ( quanto mais detonada melhor), se
entupir de álcool , rever os amigos e principalmente escutar as bandas de nossa
cidade tocando como se fossem os maiores músicos do mundo, em uma aparelhagem
decadente, mas que as nossos ouvidos era o som do Olímpio. Se você não sabe o
que é isto, feche a página. Você jamais saberá o que estou falando.
Era essa rejeição que nos tornava
diferente dos outros. E era essa diferenciação que nos irmanava ou nos
hostilizava visceralmente por alguma questão fútil da máxima gravidade, como
por exemplo qual o melhor disco do Slayer. Era ter a fita K-7 com a banda que
ninguém conhecia e que só era passada ao melhor amigo sob juras de não passar a
ninguém, como uma maçonaria sonora. Era passar tardes em loja de disco para ver
se algum disco novo chegava e ser o primeiro a ter seu som ou ver sua capa.
Guardando os trocados do lanche para comprar uma fita cassete. Essa maneira de viver, é o que o filósofo
alemão Hegel chama de espírito da época – ZEITGEIST. Acredito que o metal era
antes de qualquer manifestação musical uma manifestação de comportamento com
elementos culturais próprios desta época e que reforçavam sua identidade. Por
isso, é inevitável que quando veja a nova geração de “metal head” com coletes
de patch, tocando música oitentista e se referindo a sua música ou preferências
musicais como “old school” me venha a cabeça a frase de Karl Marx: “A história se repete, a primeira
vez como tragédia e a segunda como farsa.” Mais do que anacronismo, isso é a mesma coisa que uma pessoa andar com
fraques e trajes de 1700 nos dias de hoje, só porque escuta Mozart.
Outro fator responsável pela morte do metal sem dúvida, foi a revolução
tecnológica dos anos 90, consubstanciada a partir do NAPSTER. Sem dúvida
nenhuma, os avanços advindos desta revolução tecnológica foram fantásticos e
não há que não quem se renda as comodidades que a vida pós internet possa
oferecer. Ter todas as bandas do mundo de dentro de sua casa a partir de seu computador é a coisa
mais fantástica, desde a invenção da imprensa por Gutemberg. Porém, não
obstante tal fato, sem levar em conta outros aspectos com por exemplo, a morte
da cultura pela falta de mercado. A era digital soterrou um dos alicerces do
Heavy Metal – O underground. Obviamente gosto de ir para shows bem produzidos,
tocar em boas aparelhagens, comprar material pela internet, baixar músicas,
etc. Mas tudo isso faço ciente de que o que existe ali na verdade, é apenas a
música. Apenas o corpo, a alma já se foi. Aqueles que como eu, ainda vestem
camisas de banda e vão para shows baterem cabeças, são como os atuais hippies.
Ou seja, vivem em um mundo que não existem e ainda perpetuam esta maneira de
ser/vestir - Talvez por resquício de uma cultura onde foram formados. Em
contrapartida, os novos metalheads ( eu prefiro ser chamado de metaleiro) serão
apenas uma imitação de outros tempos, sem entenderem muito bem o que uma camisa
preta representa. Não que eles não gostem da música, com certeza gostam, mas se
resumem apenas a isto... música. Baixar músicas pela internet é uma das
melhores coisas do mundo, mas não será como trocar tapes pela ‘sound riot’ ou
receber cartas com demo-tapes. Com isso, pode parecer que façamos apologia a
morte do metal e que o presente com seus novos fãs e bandas não nos interessem.
Pelo contrario. Que venham novas bandas e novos seguidores. Que velhas bandas
voltem a ativa atraídas pelo mercado promissor. Mas essas novas manifestações
jamais farão parte do Metal movimento
cultural, mas de uma cultura de música extrema, que poderá ser executada em
um show para poucas pessoas ou virar trilha sonora de alguma novela através de
uma explosão midiática de algum site de relacionamento obtido de inúmeros
“likes”.
Ao falar sobre a morte do metal,
vejo apenas algumas viúvas. Umas velhas como eu, que vivem de saudosismo.
Fantasiando uma época que não existe mais e arrastando atrás de si como um
corpo decrépito. Outras novas, que não se aperceberam ainda da morte do de cujos e que caminham com ele de mãos
dadas dando-lhe novos nomes. O METAL
nasceu, teve seu apogeu e como tudo que nasce, morre. Não há demérito nisso. Se
sua música ecoa nos dias de hoje sob novas ou velhas bandeiras que reverbere,
saibamos apreciar. Se seus novos seguidores acham a coisa mais natural do mundo
ir de Burzum a Avenged alguma coisa com um click, sejamos sensatos para
respeitarmos essa realidade. Mas não me venha dizer que esta época é a
perpetuação do METAL, pois serei obrigado a recitar mais uma vez a frase de Marx.
Sávio
Diomedes Paiva Diniz (Hellhammer) é guitarrista da banda de Black Metal LORD
BLASPHEMATE. - e já viu a ascensão e declínio do Império Romano.
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